Produtos Lácteos: Desenvolvimento & Tecnologia


CAPÍTULO INTRODUTÓRIO


Leite & derivados: perspectivas e oportunidades

 

Neila Silvia Pereira dos Santos Richards

 

 

https://doi.org/10.4322/mp.978-65-991393-2-1.i

 

1. Introdução

O leite e seus derivados apresentam a mais extensa e mais complexa cadeia de valor do agronegócio brasileiro, não sendo apenas uma fonte vital de nutrição para as pessoas envolvidas, mas também representam um meio de subsistência e oportunidades para pequenos produtores, processadores, comerciantes e outros segmentos da cadeia láctea [1].

A forma de comprar e consumir leite e produtos lácteos está em evolução com o advento das novas tecnologias e a popularização do acesso à internet. Os consumidores vêm mudando inúmeros hábitos de consumo e, consequentemente, suas demandas são estudadas e absorvidas pela indústria de laticínios [2, 3].

Atualmente, uma das principais mudanças é o anseio dos consumidores que buscam por produtos mais naturais, rótulos mais limpos, sustentáveis e esperam transparência sobre quais ingredientes são utilizados na formulação dos produtos lácteos e como os mesmos são produzidos [4, 5].

Cada vez mais o consumidor assume o protagonismo no mercado de lácteos, sendo sua presença marcante nos pontos de venda, nas gôndolas dos hipermercados, além de sinalizar para as indústrias e propriedades leiteiras suas preferências, cada vez mais exigentes e específicas [6, 7].

Em categorias como iogurtes e sobremesas lácteas a percepção de naturalidade por parte do consumidor é ainda mais forte. O consumidor de hoje está mais preocupado com sua saúde e cada vez mais entende que uma boa saúde começa com escolhas de produtos que além de nutrir promovam a saúde e bem-estar. E, nesse último quesito, desponta a preocupação com a saúde intestinal, ou seja, há um aumento no interesse por alimentos funcionais, uma vez que estudos apontam que um intestino saudável é a base para o perfeito funcionamento de todo o organismo [8].

Dos muitos produtos lácteos desenvolvidos em vários países, os fermentados impulsionam o mercado. A fermentação é um dos métodos mais antigos de preservação de alimentos, sendo usada desde os primórdios da humanidade para evitar o desperdício de alimentos [9, 10].

Um grande desafio para o setor lácteo está em produzir derivados mais sustentáveis e apresentá-los como alimentos saudáveis para os consumidores, ressaltando que definir padrões alimentares saudáveis e sustentáveis é complexo e deve ter como base fatos e dados científicos consistentes [5, 11].

Os queijos são os derivados que têm apresentado maiores taxas de crescimento nos últimos anos. Apresentam uma grande variedade de tipos, sabores e tamanhos, além de atender às novas tendências de consumo de alimentos nutritivos e práticos [11, 12]. Os queijos artesanais têm importância na vida econômica dos produtores rurais, os quais tem nessa atividade uma fonte alternativa de renda, além da atividade principal, seja ela plantação de vegetais ou criação de animais [13,14].

A não observação de alguns critérios pode provocar uma resposta negativa por parte dos consumidores, especialmente na ausência de uma adequada comunicação sobre os esforços de avaliação do risco e do custo-benefício na fabricação de alguns derivados lácteos [6].

A qualidade do leite vem evoluindo ano a ano através da publicação de normas corretas que regulamentam produtos e protegem a saúde do consumidor, apesar do setor leiteiro brasileiro não ser tão organizado e o processo de modernização ser lento, e com defasagens tecnológicas significativas em algumas regiões do país [15].

Para a indústria os principais determinantes e tendências na escolha de lácteos inovadores são:

- características do consumidor: demográficas, psicográficas, fatores econômicos e fatores fisiológicos;
- características de novos alimentos: característica do produto, percepção natural, percepção de benefícios, percepção de custos, sistema de produção e percepção de incertezas;
- características do contexto: acessibilidade/conveniência, momento de consumo, situação de uso, tempo, lugar, percepção do controle comportamental;
- características do ambiente: ambiente familiar, cultura, religião, normas sociais e normas subjetivas [6].

As alternativas em inovações de produtos lácteos saudáveis e sustentáveis são inesgotáveis, porém, a cadeia de leite tem experimentado um movimento contrário aos lácteos com grande repercussão e que cresce rapidamente em muitas regiões do mundo. As ameaças aos produtos lácteos que têm grande repercussão nas mídias sociais incluem mensagens com carga emocional e imprecisas, projetadas para convencer as pessoas de que os lácteos são baseados na exploração de animais leiteiros e são uma das principais causas de mudanças climáticas, degradação dos solos, poluição das águas e predispondo o ser humano a doenças. Essas informações distorcidas e seus efeitos ao tentar afastar as pessoas do leite e seus derivados podem ter, futuramente, impactos significativos e negativos na saúde do consumidor, especialmente nas populações em situações de insegurança alimentar. Estudos de desenvolvimento de produtos lácteos e o repasse de mensagens educacionais baseadas em ciência sólida devem ser priorizados, esclarecendo, por exemplo, como os lácteos podem melhorar o estado nutricional e promover o bem-estar do ser humano.

A indústria de laticínios deve conquistar a confiança do consumidor, pois a transparência nas informações nutricionais ou mesmo nas alegações das propriedades funcionais dos lácteos é fundamental para aumentar a competitividade e reconhecer o perfil do consumidor [1].

Será sempre um desafio para a indústria de laticínios entender a demanda dos consumidores, o potencial e os gargalos tecnológicos da cadeia de lácteos. Produtos inovadores podem ser desenvolvidos ou melhorados a baixo custo, mesmo para àqueles aparentemente pouco suscetíveis a mudanças e renovações.

Referências

[1]EMBRAPA. Anuário Leite 2019. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/ handle/doc/1109959. Acesso em: 13 Ago. 2020.

[2] Silva C.A., Souza C.C., Carneiro Júnior J.B.A., Castelão R.A. Clusters de perfis socioeconômicos e culturais de consumidores dos produtos lácteos de Campo Grande/MS. Revista Brasileira de Administração Científica 2020; 11(1):177-188. http://doi.org/10.6008/CBPC2179-684X.2020.001.0013.

[3] Assis J., Ferreira J.D., Martins H.H., Schneider M.B. Cadeia produtiva do leite no Brasil no contexto do comércio internacional. Revista Ciências Empresarial 2016; 17(1):63-93.
 
[4] Merlo E.M. Comportamento Do Consumidor. LTC 2013. Accessed August 13, 2020. http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=edsmib&AN=edsmib.000004800&lang=pt-br&site=eds-live&scope=site

[5] Ávila B.P., Pinto da Rosa P., Fernandes T.A., Chesini R.G., Sedrez P.A., Oliveira A.P.T., Mota G.N., Gularte M.A., Roll V.F.B. Analysis of the perception and behaviour of consumers regarding probiotic dairy products. International Dairy Journal 2020; 106:104703. https://doi.org/10.1016/j.idairyj.2020.104703.

[6] Richards N.S.P.S. Novos produtos para a indústria de laticínios. In: Martins P.C., Piccinini G.A., Krug E.E.B., Martins C.E., Lopes F.C.F. (eds) Sustentabilidade ambiental, social e econômica da cadeia produtiva do leite. Brasília: EMBRAPA, 2015, p. 329-338. Brasília, Brasil.

[7] Perobelli F.S., Araújo Júnior I.F., Castro L.S. As dimensões espaciais da cadeia produtiva do leite em Minas Gerais. Nova Economia 2018; 28(1):297-337.

[8] Bimbo F., Alessandro Bonanno A., Nocella G., Viscecchia R., Nardone G., Devitiis B., Carlucci D. Consumers’ acceptance and preferences for nutrition-modified and functional dairy products: A systematic review. Appetite 2017; 113(1):141-154.
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[9] Limeira T.M.V. Comportamento do consumidor brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. Disponível em: http://search.ebscohost.com/login.aspx?direct=true&db=edsmib&AN=edsmib.000008335&lang=pt-br&site=eds-live&scope=site. Acesso em: 13 ago. 2020.

[10] García-Burgos M., Moreno-Fernández J., Alférez A.J.M., Díaz-Castro J., López-Aliaga I. New perspectives in fermented dairy products and their health relevance. Journal of Functional Foods 2020; 72:104059. https://doi.org/10.1016/j.jff.2020.104059.

[11] Stampa E., Schipamann-Schwarze C., Hamm U. Consumer perceptions, preferences, and behavior regarding pasture-raised livestock products: A review. Food Quality and Preference 2020; 82:103872. https://doi.org/10.1016/j.foodqual.2020.103872.

[12] Yilmaz-Ersan L., Ozcan T., Akpinar-Bayizit A. Assessment of socio-demographic factors, health status and the knowledge on probiotic dairy products. Food Science and Human Wellness 2020; 8p. https://doi.org/10.1016/j.fshw.2020.05.004

[13] Miranda G., Souza A., Martins A., Cocaro E., Martins J. Queijos artesanais: qualidade físico-química e microbiológica e avaliação das condições higiênico-sanitárias dos manipuladores e ambiente de produção. Extensão Rural 2016; 8-92. doi: https://doi.org/10.5902/2318179618101.

[14] Marcon G. Transformações socioprodutivas na cadeia do leite: a produção de base ecológica e a informalidade como estratégias da agricultura familiar em Santa Maria/RS. Dissertação de Mestrado. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2019.

[15] Vilela D., Resende J.C. O que falta na cadeia produtiva do leite nacional para que a integração dê certo? Milkpoint 2020. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/artigos/producao-de-leite/o-que-falta-na-cadeia-produtiva-do-leite-nacional-para-que-a-integracao-de-certo-218998/. Acesso em 13 Ago. 2020.

 

Autores

 

Neila Silvia Pereira dos Santos Richards

Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos, Universidade Federal de Santa Maria - DTCA/UFSM, Avenida Roraíma, 1000, Prédio 42, sala 3211, 97105-900, Santa Maria - RS, Brasil.

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* Autor para correspondência: neilarichardsprof@gmail.com