2º Fórum Itinerante do Leite: Rumo à Excelência


CAPÍTULO 2


Sistemas de produção de leite em pastagens: características e potencialidades

 

Adriano Rudi Maixner, Gilmar Roberto Meinerz, Ricardo Lopes Machado, Cristiano Kraemer Didoné, José Carlos de Figueiredo Pantoja

  
https://doi.org/10.4322/mp.978-65-991393-1-4.c2

 

1. Introdução

“Qual é o melhor sistema de produção de leite?” Essa é uma pergunta frequente entre produtores frente às demandas de mercado e as opções tecnológicas que surgem. A resposta mais adequada, a princípio, é: “Depende!” Essa dependência está relacionada a múltiplos fatores relacionados às condições mercadológicas em que o sistema de produção está inserido, a capacidade de investimento na atividade leiteira, o domínio das técnicas de produção, o nível de controle gerencial e administrativo, entre vários outros. A realidade é que distintos sistemas de produção têm sido conduzidos com sucesso em todo o Rio Grande do Sul, demonstrando que o atendimento a estas condições específicas é que permite usufruir de sistemas de produção diversos com suficiente êxito. O tema Sistemas de Produção de Leite trouxe para discussão os elementos que caracterizam os principais sistemas de produção ocorrentes no estado: baseado em pastejo direto e com suplementação de alimentos concentrados; baseado em pastejo direto, com suplementação de alimentos concentrados e volumosos; e o sistema confinamento, com ênfase no sistema sobre cama de compostagem – “compost barn”. Os registros escritos foram feitos pelos painelistas e optou-se por manter seus textos originais. Mais do que isto, a ampla discussão gerou contribuições escritas também extensas, demandando a separação dos temas para melhor apresentação. Neste capítulo, são apresentados os elementos de sistemas de produção de leite em pastejo direto com suplementação concentrada e aqueles que demandam também suplementação volumosa conservada. Este registro não pretende esgotar qualquer tema, mas contribuir com informações importantes nessa área do conhecimento.

2. Produção de leite à base de pasto sob sistema de Pastoreio Racional Voisin

A modernização da agropecuária hegemonicamente tem trazido efeitos nefastos para os agroecossistemas locais, amparado em um grande pacote de insumos na forma de inúmeras variedades de venenos, adubos solúveis e consequente degradação da estrutura e vida dos solos. Como há a necessidade de adaptação dos agricultores a esse sistema, muitos não conseguem por diferentes fatores e acabam sendo excluídos do processo produtivo. Assim considerando a necessidade de sistemas e tecnologias mais sustentáveis de produção agropecuária que possam incluir socialmente os agricultores, a produção de proteína animal baseada na exploração de pastagens, tem se mostrado eficiente não só para ganhos ambientais, mas também econômicos e sociais. Em Santa Maria o escritório municipal da EMATER/RS, vem fomentando desde 2010, um trabalho focado na produção de leite a base de pasto, tendo como pano de fundo projetos de Pastoreio Racional Voisin. Outros elementos que estão presentes no trabalho são: manejo sustentável do agroecossistema, manejo ecológico do solo, ética e bem estar animal, reprodução social e viabilidade econômica. Todas estas variáveis juntas compõe uma proposta de transição agroecológica na produção de leite.

2.1. Pastoreio Racional Voisin (PRV)

Considerando que a base social dos agricultores produtores de leite no sul do Brasil é formada por agricultores familiares, com pequenas áreas de terra, é fundamental que se desenvolva junto com eles, tecnologias que sejam apropriadas e apropriáveis por eles, o PRV é um bom exemplo dessa possibilidade. O Pastoreio Racional Voisin, é a tecnologia desenvolvida pelo Francês André Voisin a fim de aumentar a produtividade e o valor biológico das pastagens, além de ser capaz de aumentar progressivamente a fertilidade do solo, produzir alimentos mais limpos e de alto valor biológico, por respeitar o bem estar dos animais (Pinheiro Machado, 2004). No PRV se baixa o custo de produção, pois a matéria seca produzida pela pastagem é significativamente mais barata e sustentável que a mesma matéria seca de alimentos comerciais concentrados ou da silagem. Assim, os principais “insumos” do sistema são: o conhecimento sobre o manejo do agroecossistema, que é apropriado pelo agricultor, o esterco e a urina das vacas e a energia solar que viabiliza a fotossíntese para crescimento das pastagens.

O PRV se baseia fundamentalmente na divisão da área de pastoreio com cerca eletrificada em um número mínimo de piquetes, que possibilite ao agricultor-pastor o adequado manejo dos animais, respeitando assim as quatro leis universais estabelecidas por André Voisin e discutidas por Pinheiro Machado (2004). As duas primeiras leis são relativas ao manejo dos pastos e as duas seguintes ao manejo dos animais: 1- A Lei do repouso estabelece que entre um corte e outro é necessário um tempo mínimo para que a pastagem armazene nas suas raízes as reservas necessárias para um próximo rebrote vigoroso; 2- Lei da ocupação, onde o tempo global de ocupação de uma parcela deve ser o suficientemente curto para que o rebrote do pasto não seja cortado duas vezes no mesmo período de ocupação; 3- Lei do rendimento máximo, os animais precisam colher a maior quantidade de pasto na melhor qualidade possível; 4- Lei do rendimento regular, que trata da necessidade de regularidade na produção animal, que se atinge com a permanência máxima de um dia por parcela, no caso do rebanho leiteiro.

Para a região de Santa Maria, recomenda-se pelo menos 50 piquetes. O período de ocupação dos piquetes com as vacas geralmente é de um dia, sendo que o manejo de troca de piquete é feito depois da ordenha da tarde, para os animais terem o pasto mais fresco no período da noite que é o período onde os animais mais pastam, principalmente no verão. Em períodos de abundância de pastagem como a primavera e verão, alguns piquetes podem ser roçados para acumular palhada, alimentando assim o processo de formação de vida e matéria orgânica do solo. Nos projetos, preconiza-se água em todos os piquetes, que é disponibilizada em bebedouros móveis que acompanham o lote, assim evita-se que os animais caminhem desnecessariamente e exerçam dominância uns sobre os outros, aumentando-se com esse fator de 10 a 20% de produção de leite (Pinheiro Machado, 2004).

2.2. Manejo sustentável do agroecossistema

O manejo sustentável do agroecossistema, começa pelo fato de que com a divisão da área o agricultor consegue gestionar muito melhor os elementos que a compõe, como solo, pastagens, água, árvores, animais e a si próprio em seu trabalho diário. Quanto às pastagens, busca-se a implantação ou manutenção de espécies forrageiras adaptadas à região e perenes, partindo sempre do princípio que o agroecossistema deve se parecer ao ecossistema natural. Assim, no sistema aqui discutido, prioritariamente orienta-se para o manejo e melhoramento do campo nativo, que é composto de espécies adaptadas às condições edafoclimáticas locais. Os agricultores relatam inclusive o aumento de produção quando as vacas entram em piquetes compostos por campo nativo, bem manejado em que lhe é dado as mesmas condições que a outras pastagens, quebrando o paradigma de que este (campo nativo) não tem valor. Esta ideia é geralmente difundida por técnicos que tem interesse em vender pacotes de insumos e variedades de sementes alienígenas, com promessas milagrosas. No caso de áreas já degradas pelo manejo convencional do solo, onde se tinha sucessivos anos de cultivos anuais, a proposição é a utilização de espécies perenes que possuam desenvolvimento rápido para a cobertura de solo e valor forrageiro expressivo, como por exemplo as gramíneas Tifton (Cynodon spp), Missioneira Gigante (Axonopus compressus) e Hemarthria (Hemarthria altíssima), sendo estas implantadas de forma vegetativa e a gramínea Pensacola (Paspalum notatum) é implantada via semente.

Buscamos também constituir no médio prazo sistemas silvipastoris, com o elemento arbóreo presente. O sistema silvipastoril é preconizado por três motivos principais: pelos ganhos ambientais, por procurar desenvolver um sistema de produção mais parecido com o ecossistema local; em função do bem estar animal; por oferecer ganhos econômicos aos agricultores.

2.3. Manejo ecológico do Solo

Entender e conhecer o solo, como um sistema vivo e complexo, composto por vários elementos que vão desde a micro, meso e macro fauna, componentes minerais e interações tróficas é base para o manejo ecológico dos solos. Os sistemas de produção de leite, anteriormente ao processo de transição agroecológica, eram basicamente desenvolvidos com revolvimento do solo e uso de adubos químicos. Isso gerou condições de solo extremamente degradados, com problemas de erosão e de estrutura, baixa fertilidade e porcentagem de matéria orgânica. Essas condições fazem com que o processo de recuperação do solo, seja mais demorado e necessitando muitas vezes da utilização de fertilizantes externos ao agroecossistema nos primeiros anos. Assim as propriedades tem se utilizado principalmente da compra de adubo orgânico externo e na impossibilidade deste também de adubo químico sempre em doses decrescentes. Outro agravante é a alta acidez dos solos, que vem sendo solucionada com calagem. Fundamental é a ciclagem dos nutrientes feita pelo esterco dos animais e pela urina, que além do NPK natural funcionam como fermento para a vida do solo. A cada 4 dias 10 vacas adultas deixam 1 tonelada de esterco e 650 litros de urina para o solo.

No período de inverno é utilizada a sobressemeadura de forrageiras. O processo consiste em no começo do outono, mais precisamente em março-abril, sobressemear sementes de espécies de inverno sobre as espécies perenes de verão, sem revolvimento do solo, o que melhora ano a ano a estrutura e fertilidade deste. A sobressemeadura é realizada diariamente antes da entrada dos animais nos piquetes. Após a sobressemeadura, os animais pisoteiam a área, colocando as sementes em contato com o solo. Se o agricultor possui roçadeira, recomenda-se roçar a área depois da saída dos animais para melhor cobrir as sementes. As duas espécies de gramíneas mais usadas para este processo são a aveia preta (Avena strigosa) e azevém (Lolium Multiflorum). Com esta técnica a área de pastoreio fica coberta e é utilizada o ano todo, praticamente eliminando os vazios forrageiros que normalmente acontecem principalmente na mudança da estação quente para a estação fria.

2.4. Bem estar animal

Um aspecto básico da criação animal de base ecológica é a preocupação com o bem estar dos animais. A partir do momento que nos dispomos a conviver e de certa forma “explorá-los”, o mínimo que podemos dar-lhes é dignidade, e um sistema em que possam expressar seu comportamento natural como pastar. Além disso, água, sombra, comida farta e se possível um nome. Na área da sanidade propõe-se terapias brandas como o uso da homeopatia e fitoterapia. O resultado prático do uso de homeopatia para controle de carrapatos e mamite tem sido animador e está consagrado entre os agricultores que vem utilizando esta ferramenta. Estas terapias complementam os outros elementos que compõe a proposta, no sentido de equilibrar de forma global o organismo dos animais, evitando o aparecimento de moléstias e também as tratando quando porventura aparecerem. Percebemos que uma questão fundamental é os agricultores compreenderem, ao utilizar produtos homeopáticos e fitoterápicos, que não se trata de uma simples substituição de insumos, essas terapêuticas são parte de uma proposta de fundo, maior e sistêmica.

2.5. Reprodução social e viabilidade econômica

Para viabilizar a reprodução social dos agricultores, é fundamental que o sistema gere uma renda real líquida, que permita aos mesmos se manterem na atividade, bem como, em função disso, aquelas famílias que possuem descendentes ainda na propriedade, que possam vislumbrar a possibilidade de fazer a sucessão familiar do negócio. Para os jovens além da renda, é fundamental que se diminua a penosidade do trabalho. Todas as propriedades que tem adotado o sistema aqui descrito relatam como grande diferencial a diminuição da penosidade do trabalho. Muitas propriedades já não têm mais necessidade de fornecer silagem, a dieta dos animais se baseia na pastagem e um complemento de ração seca no cocho, e o trabalho se resume a abrir e fechar porteiras, e conduzir tranquilamente os animais nos horários de ordenha.

No aspecto econômico preconiza-se o gerenciamento das receitas e despesas da atividade. Cada propriedade tem um caderno de gestão, para anotar todos os custos variáveis mensais, bem como para anotar todas as receitas advindas da atividade. Após lança-se estes dados em uma planilha de gerenciamento que também considera o custo da depreciação de todos os equipamentos da propriedade utilizados na atividade leiteira. É importante o agricultor enxergar quanto de fato está sobrando de renda líquida de sua atividade, relativizar isso as pessoas envolvidas e às horas trabalhadas. O principal índice econômico focado é a renda líquida por há trabalhado, pois praticamente todas as atividades agrícolas se baseiam nesse parâmetro. Assim esse índice proporciona aos agricultores comparar sistemas de produção e ter uma ideia clara da evolução econômica da sua atividade. Nos quadros abaixo seguem os dados produtivos e econômicos de duas propriedades acompanhadas. Percebe-se que a renda líquida/ha e a renda mensal aumentaram sensivelmente nas duas propriedades. Mesmo em 2015, ano de baixos preços pagos pelo leite e aumento do custo de concentrados, as propriedades se mantiveram com uma boa rentabilidade líquida por hectare trabalhado.

OBS. No final de 2012 houve venda de animais, que aumentou a renda mas comprometeu a produção no ano seguinte. Até o ano de 2014 eram utilizados 10,5 ha úteis; em 2015, a produção se concentrou em 5,5 ha.
Tabela 1. Resultados técnicos e econômicos da Propriedade 01.

OBS: A propriedade explora 40 ha de área útil.
Tabela 2. Resultados técnicos e econômicos da propriedade 02.

2.6. Conclusões

A transição agroecológica dos sistemas de produção de leite de Santa Maria realizado através de uma proposta de extensão rural por processo e adaptada a realidade demonstra duas questões centrais. As potencialidades dos referenciais que compõem o sistema agroecológico e a importância de uma extensão rural capaz de realizar uma ruptura e a libertação dos agricultores dos sistemas de produção convencional. A proposta central da ação extensionista é empoderar os agricultores, dar liberdade a eles e não escravizá-los tornando-os dependentes da ação externa, transformando-os assim em sujeitos e não objetos do processo. Hoje eles fazem e sabem por que fazem e não executam técnicas alheias e descontextualizadas de seus cotidianos e construídas à revelia dos seus agroecossistemas. Dessa forma, os agricultores se tornam sujeitos que estão construindo um sistema produtivo de leite de base agroecológica, que além de respeitar o agroecossistema que está inserido, está permitindo aos mesmos a sua reprodução social e econômica, e gerando perspectivas para que eles e seus filhos permaneçam com dignidade e qualidade de vida no meio rural.

3. Produção de leite em sistemas mistos de pasto e suplementação com volumosos e concentrados

Nos sistemas de produção de leite mais competitivos do mundo, as pastagens se constituem no componente principal da dieta dos animais, especialmente nas regiões de clima subtropical, onde as condições edafoclimáticas permitem o cultivo de diversas espécies forrageiras (Clark e Kanneganti, 1998). O uso de pastagens tem como principal benefício a redução no custo do alimento, que representa mais de 50% dos custos totais de produção de leite (Parker et al., 1992).

Embora estes sistemas de produção permitam uma produção de leite a custos mais baixos, a sazonalidade da produção de forragem observada afeta a distribuição da oferta de alimentos no decorrer do ano, caracterizando sazonalidade também na produção de leite. Assim, é comum a distinção de períodos em que há limitação produtiva pela insuficiência de alimentos, notadamente na transição de uma estação para outra. Esta escassez é chamada comumente de vazio forrageiro, que é definido pela insuficiência de forragem, em quantidade e valor nutritivo, seja pela estacionalidade, maturação ou insuficiência das espécies forrageiras (Oliveira, 2009). Este período é especialmente crítico para a atividade leiteira, pois normalmente é a época do ano em que são observados os maiores preços do leite (CEPEA, 2011).

Da mesma forma, sistemas de produção que tem como base alimentar as pastagens tendem a permitir menor desempenho individual do animal, quando comparados à sistemas confinados. Isto de deve, em parte, à qualidade nutricional e ao manejo aplicado às forrageiras, mas também à limitação no consumo voluntário dos animais em sistemas pastoris. Este efeito se acentua quando da utilização de animais de elevado mérito genético, com demandas energéticas elevadas para a manutenção do seu potencial produtivo. Este fato, aliado à distribuição sazonal da oferta de forragem, faz com que os incrementos produtivos esperados pelo melhoramento genético dos rebanhos fiquem limitados pela capacidade alimentar dos animais em sistemas pastoris.

Nesta problemática, sistemas de produção mistos de pasto e suplemento se apresentam como um meio termo entre a produção à pasto e a produção confinada. Neste modelo de produção a base alimentar continua sendo a pastagem, mas a suplementação é usada de forma a suprir o déficit entre o mérito genético dos animais e o suprimento de energia das pastagens, estabilizando a dieta com a oferta de volumosos conservados. Estes sistemas são os mais difundidos na região sul do Brasil, concentrando-se em pequenas e médias propriedades com o uso de mão de obra familiar, predominantemente.

3.1. Fatores a considerar em sistemas de pasto e suplemento

Conceitualmente, os fatores que favorecem a adoção de sistemas de produção à pasto ou  confinados são análogos, pois isoladamente ou associados podem inviabilizar a produção. Neste sentido, duração da estação de pastejo, condições de crescimento de forragem, preços do leite, potencial genético do rebanho, preço de grãos, disponibilidade de capital e custo de oportunidade da terra justificam a adoção de um sistema ou de outro (Satter e Reis, 1997). Esta definição, na maioria das situações, não acontece de forma racional e planejada, mas como uma consequência do modelo de produção adotado pelo segmento da indústria e, principalmente, pelo comércio de insumos e serviços.

O sistema de pasto + suplemento permite elevadas produções de leite por área com investimentos relativamente mais moderados do que os sistemas confinados e permitindo maior renda, sobretudo para produtores com pequenas áreas de terra. Alia-se a isto a possibilidade de integração com outras atividades agrícolas, como a agricultura de grãos, suinocultura, avicultura, otimizando o uso das áreas e da mão de obra. Desta forma, o custo de produção do leite torna-se mais competitivo do que de sistemas confinados e com maior potencial de renda do que sistemas a pasto.

A eficiência do sistema de pasto + suplemento depende do equilíbrio de uma gama de fatores que são tecnicamente mais específicos, destacando-se o manejo diferenciado do pasto, manejo geral e alimentar do rebanho, disponibilidade e custo de alimentos concentrados, bem como logística, custo e qualidade da forragem conservada. Neste sistema, as fontes conservadas de alimento tem sua importância maximizada, uma vez que consistem em alimentos de custo relativamente mais elevado que as pastagens, fato que implica em uma necessidade de racionalização do seu uso. Todos estes fatores devem estar alinhados com o potencial genético do rebanho e, principalmente, são extremamente dependentes do preço do leite.

Por trabalhar com recursos de maior custo financeiro e pela movimentação de capitais significativamente maior do que os sistemas pastoris, este sistema fica mais vulnerável à variações no preço de leite. Desta forma, na medida em que o produtor vai intensificando a produção, mediante o aumento nas taxas de lotação e uso de animais de genética para elevadas produções de leite, o sistema vai se tornando menos flexível e cada vez mais dependente do preço do leite, que é uma variável que não depende do produtor. Concomitantemente, o custo dos insumos, sobretudo o preço dos grãos, impacta mais nas margens de lucro, podendo tornar o sistema inviável a médio e longo prazo.

3.2. Aspectos técnicos

O manejo eficiente de sistemas de produção baseados em pasto e suplemento volumoso e concentrado se fundamenta em algumas premissas básicas: Manejo adequado das pastagem, no que se refere a disponibilidade e qualidade do pasto, manejo do rebanho em categorias, o uso de suplementação estratégica de concentrado e volumosos (silagem), culminando com o manejo nutricional do rebanho.

Manejo adequado das pastagens: o manejo das pastagens em sistemas de pasto e suplemento se diferencia do manejo em sistemas pastoris exclusivos pois os suplementos volumoso e concentrado interferem de maneira muito significativa. Animais suplementados com concentrados e volumosos tendem a ser mais seletivos do que animais exclusivamente em pastejo, o que torna o manejo de algumas espécies forrageiras de crescimento agressivo, como gramíneas perenes do gênero Cynodon, mais difícil. Aliado a isso, a maior especialização dos produtores faz com que o volume de forragem produzida no decorrer do ano não seja problema, mas sim a qualidade nutricional do pasto, que tende a limitar o consumo voluntário dos animais.

Assim, uma das características mais marcantes deste sistema é que o produtor se vê obrigado a prescindir da produção de grandes volumes de forragem para priorizar o valor nutritivo ou estrutura de pasto que permita maior consumo voluntário. Desta forma, não é incomum a prática de roçadas nas pastagens em intervalos regulares, que reduzem a produtividade de forragem, mas permitem a manutenção do consumo voluntário dos animais e os níveis de produtividade.

Se usada de forma indiscriminada, a prática da roçada pode elevar significativamente os custos de produção e reduzir a produção de forragem, aumentando a dependência alimentar do rebanho de concentrados e volumosos conservados, de maior custo. Aliado a isso, a concentração da produção de forragem nas estações preferenciais das espécies forrageiras de inverno e verão, destacando períodos de vazio forrageiro por quantidade ou qualidade de forragem, é um desafio do sistema de produção baseado em pasto e suplemento.

Manejo do rebanho: A maioria dos rebanhos leiteiros é composta por animais heterogêneos em peso, raça e tamanho, manejados em apenas um grupo de vacas em lactação. Isto torna o ajuste da dieta mais adequada, nutricionalmente e também em termos de custo, mais difícil para cada animal na propriedade. Em sistemas onde o custo do alimento não é tão significativo no custo final de produção, a prática de segregação do rebanho em categorias não apresenta resultados significativos. No entanto, em sistemas de pasto + suplemento, esta prática traz resultados positivos nos aspectos técnicos e econômicos, pois permite o fornecimento distinto de alimentos de maior ou menor qualidade de acordo com as exigências nutricionais de cada categoria.

Neste sentido, o uso de suplementação concentrada variável, de suplementação volumosa estratégica e do manejo dos estratos da pastagem, permite que se ofereça dietas menos restritivas e mais adequadas às exigências de cada categoria. Considerando que concentrados e volumosos conservados tem custo mais elevado em relação à forragem oriunda da pastagem, o uso racional destes recursos influi positivamente no balanço financeiro da atividade.

Uso de suplementação estratégica de concentrado e volumosos (silagem): este talvez seja o fator de maior impacto na relação custo/benefício do sistema de produção de pasto + suplemento, uma vez que é aquele que impacta mais significativamente no custo de produção, mas também é aquele que, se usado racionalmente, permite os maiores incrementos produtivos.

O uso destas fontes alimentares é um dos pilares mais importantes destes sistemas de produção. Há de se ressaltar, no entanto, que basear o sistema de produção de pasto + suplemento nestes fatores é um erro que contribui de forma muito significativa para a redução na rentabilidade e na dependência deste modelo de produção ao preço do leite.  Assim, decisões como o volume de forragem conservada a ser produzida, quais as matérias primas, épocas e finalidade de fornecimento são decisões estratégicas que devem ser tomadas com base na sua relação custo/benefício. Da mesma forma, o nível de suplementação concentrada, de acordo com as categorias e a produtividade individual do animal, bem como a aquisição do concentrado comercial ou a formulação na propriedade, podem permitir um ajuste mais fino da dieta dos animais, reduzindo custos e potencializando as receitas.

3.3. Conclusões

O sistema de produção de pasto + suplemento é largamente adotado nas propriedades leiteiras do sul do Brasil, embora a sua adoção se dê por motivos que vão além de uma escolha racional. Esta situação pode ser atribuída à pressão comercial pela intensificação dos sistemas produtivos, mas também à carência notada de assistência técnica governamental aos produtores.

Não há como negar, no entanto, que este sistema de produção, guardadas as devidas proporções, permite a sustentabilidade dos produtores na atividade e contribui significativamente com a produção nacional.

Questiona-se, no entanto, a tendência de intensificação destes sistemas, contrariando a lógica racional teórica dos fatores que favorecem a adoção deste sistema. Assim, é preocupante observar o incremento no volume de produtores que passam destes sistemas para sistemas mais intensivos, com raras ocorrências de sucesso. Ao final, este estado de coisas não combina com uma das principais premissas deste sistema de produção, que é a maior flexibilidade na utilização dos recursos produtivos e, por consequência, maior sustentabilidade do sistema.

4. Considerações gerais sobre os sistemas de produção baseados em pastagens.

O Sul do Brasil agrega infinitos tipos de sistemas de produção leiteira, como consequência das diversidades históricas, culturais, técnicas, edafoclimáticas, gerenciais, entre outras. A análise de cada um desses tipos, na prática, revela a possibilidade de viabilidade técnica e econômica em qualquer situação, dependendo do contexto mercadológico e de condução técnica do sistema produtivo.

Os sistemas de produção baseados em pastagens figuram como alternativa de produção de alimentos seguros a partir de práticas produtivas que respeitem o ambiente ecológico, social e cultural onde a produção de leite está inserida, racionalizando e potencializando o aproveitamento dos recursos naturais. Cumprem também uma importante função social ao privilegiar o uso da mão de obra familiar disponível como fator de geração de renda, em detrimento a altos investimentos e imobilização de capital. Assim, embora com resultados produtivo e econômico mais modestos, alcançam níveis mais estáveis de desempenho, assegurando sua sustentabilidade. Por outro lado, a menor escala produtiva reduz as possibilidades comerciais desses produtores, viabilizando aqueles localizados em regiões onde o valor das terras não sofre grande pressão das grandes culturas de commodities (especialmente soja) e/ou dispostos próximo às rotas consolidadas de recolhimento do leite.

A verticalização da produção leiteira em sistemas baseados em pastagens vem da busca por maior escala de produção (exigência frequente do setor industrial) e/ou da expectativa de aumento de renda nas pequenas e médias propriedades. Ela ocorre, em geral, pelo aumento do número de animais na propriedade e na maior produção de volumoso conservado para atender este rebanho. Nesse modelo produtivo, a produtividade e lucratividade dependem mais de insumos externos (genéticas superiores, fertilizantes, agroquímicos, maquinário, combustíveis fósseis, medicamentos, entre outros) e do seu manejo adequado. Ou seja, a produtividade decorre da artificialização do meio natural e o desempenho econômico torna-se dependente das variações de preço e do uso racional destes insumos. Sob o aspecto técnico, há que se considerar que são mais etapas produtivas a serem gerenciadas pelo produtor, que deve dominar cada técnica nas quais os investimentos são feitos.

5. Referências

Centro De Estudos Avançados Em Economia Aplicada – CEPEA. Boletim do leite, ano 17, nº 196, maio, 2011.

Clark D.A., Kanneganti, V.R. Grazing management systems for dairy cattle. In: Cherney J.H., Cherney D.J.R. (Eds.) Grass for dairy cattle. Oxon: CAB International, 1998, p.331.

Machado R.L., Balem T.A. Bases para o sistema agroecológico de produção de leite no sul do Brasil. IX Congresso ALASRU. 2014.

Oliveira J.T. Distribuição estacional de forragem, valor nutritivo e rendimento de grãos de cereais de inverno de duplo propósito. Dissertação (Mestrado em Agronomia). Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo; 2009.

Parker W.J., Muller L.D, Buckmaster D.R. Management and economic implications of intensive grazing on dairy farms in the Northeastern States. Journal of Dairy Science, 1992, 75(9): 2587-2597. https://doi.org/10.3168/jds.S0022-0302(92)78021-7.

Pinheiro Machado L.C. Pastoreio Racional Voisin: tecnologia agroecológica para o 3° milênio. Porto Alegre: Cinco continentes, 2004.

Satter L.D., Reis R.B. Milk production under confinement condition. Tópicos especiais em zootecnia. XXXIV Reunião Anual da SBZ, Juiz de Fora – MG, 1997. Anais SBZ, Viçosa, 1997. 230 p.

Autores

Adriano Rudi Maixner1, Gilmar Roberto Meinerz2, Ricardo Lopes Machado3, Cristiano Kraemer Didoné4, José Carlos de Figueiredo Pantoja5

1. Engenheiro Agrônomo e Professor da Universidade Federal de Santa Maria.
2. Zootecnista e Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul.
3. Médico Veterinário e Extensionista Rural – Escritório Municipal da EMATER/RS - Santa Maria.
4. Produtor Rural.
5. Médico Veterinário e Professor do Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública, UNESP-Botucatu.