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Outubro 2021

A obesidade é considerada epidêmica por natureza, pois afeta milhões de pessoas em todo o mundo, em todos os países, em todas as culturas e em todos os estratos sociais. Por esse motivo, a ciência tenta encontrar uma solução para o problema de várias perspectivas. Durante o tempo que durou essa busca, houve um momento em que alguns pesquisadores pensaram ter encontrado a chave para erradicar a obesidade. Eles estavam errados.

Essa história começa em 1949, quando George Snell e sua equipe encontraram no Jackson Laboratory (Maine, EUA) uma linhagem de camundongos que apresentava um comportamento estranho. Ao contrário dos ratos com os quais trabalhavam rotineiramente, eles estavam letárgicos e tinham muito pouca atividade física. Na verdade, eles quase nunca se moviam ao redor da gaiola. Eles apenas sentaram perto do alimentador e comeram o dia todo. Além do mais, a única maneira de fazê-los mover-se era mover o alimentador. Quando os pesquisadores fizeram isso, os ratos se arrastaram até o novo local para continuar comendo.

Prof. Dr. Javier S. Perona

Departamento de Alimentos e Saúde.

Instituto de la Grasa-CSIC, Campus Universitário Pablo de Olavide, Edifício 46, Ctra. De Utrera km1. 41013

Sevilha, Espanha.

Como esperado, nessas condições de ingestão contínua e baixa atividade física, os ratos não demoraram muito para ganhar peso. Tentando encontrar uma explicação para seu comportamento, os pesquisadores deduziram que poderia ser devido a uma mutação em algum gene relacionada ao apetite e ao gasto de energia, mas em meados do século 20 não tinham como comprovar. Só se pôde saber, graças aos cruzamentos clássicos, que o comportamento se devia a um único gene, que se chamava ob (por obesidade). A linhagem de camundongos foi denominada ob/ob, pois a alteração ocorreu em ambos os alelos.

Algum tempo depois, em 1965, uma nova cepa de ob/ob apareceu no mesmo laboratório. Esses ratos também comiam excessivamente e eram obesos, mas se distinguiam de seus pais por causa da diabetes significativa, razão pela qual eram chamados de db/db. Essa linhagem ajudou a esclarecer o que estava acontecendo com os ratos ob/ob, mas isso demorou mais 8 anos.

Em 1973, Douglas Coleman usou a parabiose com camundongos db/db para descobrir o que aconteceu com os camundongos ob/ob. A parabiose é uma técnica na qual dois organismos vivos são unidos cirurgicamente para desenvolver um sistema fisiológico único. Para evitar a rejeição imunológica, a parabiose requer que os camundongos tenham a mesma origem genética, como era o caso com db/db e ob/ob. Após a parabiose, o desejo de comer desapareceu no camundongo ob/ob, enquanto no camundongo db/db eles não encontraram mudanças. O resultado sugeriu que os camundongos ob/ob receberam uma molécula db/db que reduziu seu desejo por comida e, portanto, evitou a obesidade. Essa molécula deveria estar relacionada ao gene mutado, mas foi só na década de 1990 que foi descoberta.

Finalmente, Jeffrey Friedman, que havia estudado com Coleman, localizou uma mutação no cromossomo 6 de camundongos ob / ob na Universidade Rockefeller, em Nova York. Nessa cepa, ele conseguiu clonar o gene ob e identificou o hormônio, que chamou de “leptina”, do grego leptos, que significa “magro”. Esse hormônio, produzido pelo tecido adiposo, atua no cérebro enviando um sinal de saciedade, de forma que quanto mais gordura suas células contiverem, mais hormônio será produzido e menos apetite você terá. Também funciona ao contrário, ao reduzir a gordura adiposa, a produção de hormônios é reduzida e você tem mais apetite. É uma forma muito elegante de o corpo controlar a ingestão e manter o equilíbrio do peso corporal. Friedman também observou que injetar leptina nos camundongos mutantes causou uma perda de interesse pela comida, eles correram pela gaiola e giraram a roda. Como resultado, eles perderam peso.

Estudos posteriores confirmaram que o gene db codifica o receptor de leptina e que é expresso no hipotálamo, uma região do cérebro conhecida por regular a fome e o peso corporal. Essas descobertas mudaram o paradigma da obesidade. Até então, pensava-se que era causado pela falta de força de vontade para comer alimentos. A descoberta da leptina mostrou que a obesidade pode ser causada por um desequilíbrio hormonal. Além disso, mudou a perspectiva sobre a função do tecido adiposo, que passou de ser considerado um simples depósito de gordura inútil e que ninguém quer ter, a um importante participante na regulação hormonal do organismo.

Como os camundongos ob/ob perderam peso quando injetados com leptina, pensava-se que a obesidade em humanos também era devido a uma mutação no gene ob e que as injeções do hormônio poderiam erradicar o problema. No entanto, o número de pessoas com obesidade por deficiência congênita de leptina é tão baixo que todos os casos conhecidos até 2010 não ultrapassam vinte. Na verdade, a grande maioria das pessoas obesas tem níveis elevados de leptina no sangue, ainda mais altos do que os de peso normal. Esse aparente paradoxo se deve ao fato de que, como no caso da insulina, as pessoas com obesidade costumam apresentar resistência à leptina e o hormônio se acumula no sangue. Quando isso acontece, o cérebro não entende que é preciso parar de comer e não envia o sinal de saciedade.

Em suma, embora a descoberta da leptina tenha sido um marco muito importante que mudou vários paradigmas, por ora resolver o problema da obesidade não passa pela injeção de um hormônio para a maioria das pessoas, mas sim pela insistência em melhorar os hábitos alimentares, a prática de exercícios físicos e, em geral, ter estilos de vida mais saudáveis.

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