Fevereiro 2022
Microalgas são um grupo diversificado de microrganismos distribuídos nos ecossistemas aquáticos do mundo todo, com cerca de 72.500 espécies catalogadas (Torres-Tiji et al., 2020). Sob o termo “microalgas” estão os microrganismos algais com clorofila e outros pigmentos fotossintéticos, incluindo organismos procarióticos (ex. Arthrospira Platensis) e eucarióticos (ex. Chlorella vulgaris). Independente das características morfológicas e estruturais entre os indivíduos que compõem as diferentes divisões taxonômicas, as microalgas possuem comportamentos fisiológicos semelhantes, tendo como modelo metabólico fundamental a fotossíntese, assim como os vegetais superiores (Borowitzka et al., 2016).
Estes distintos microrganismos podem prosperar em cultivos fotoautotróficos, heterotróficos ou mixotróficos. Enquanto em configurações fotoautotróficas, a produção de biomassa ocorre por conversão de dióxido de carbono (CO2) na presença energia luminosa (Tanvir et al., 2021), em sistemas heterotróficos, a biomassa é obtida por conversão de compostos orgânicos na ausência de luz (Perez-Garcia et al., 2011). Por outro lado, no cultivo mixotrófico o CO2 e o carbono orgânico são assimilados simultaneamente (Zhan et al., 2017).
Ihana A. Severo
Universidade Federal do Paraná (UFPR),
Brasil.
Tatiele C. do Nascimento
Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), Brasil.
Mariane B. Fagundes
Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), Brasil.
Em consequência da flexibilidade metabólica e altas taxas de produção de biomassa alcançadas, as microalgas apresentam possibilidades praticamente ilimitadas para os mais distintos usos. Até a data, as possibilidades em destaque incluem aplicações tanto de biorremediação ambiental, quanto nos setores de biocombustíveis, agricultura, aquicultura, rações, alimentação humana, saúde e produção de biomateriais (Fernández et al., 2021).
Paralelamente, as microalgas tem a capacidade de crescer em ambientes adversos, tolerando condições extremas de temperatura, pH, salinidade e intensidade luminosa, o que confere a esse grupo habilidades especiais para intervir em diversos sistemas e simultaneamente produzir uma biomassa com várias biomoléculas valiosas (Khan et al., 2018; Singh et al., 2020).
Devido aos mecanismos químicos envolvidos no cultivo, as microalgas têm sido amplamente relatadas como úteis no tratamento de efluentes e captura de carbono atmosférico. Podem atuar isoladas ou em consórcio com as bactérias, removendo a matéria orgânica do resíduo e transformando-se em uma biomassa adequada para a produção de produtos biotecnológicos de alto valor agregado (Fernández et al., 2021).
Além disso, novas tecnologias de redução de odores alicerçados em bioprocessos microalgais têm sido amplamente investigadas como alternativas confiáveis para a mitigação e biotransformação dos odores de águas residuárias (Vieira et al., 2019, 2021). Processos mediados por microalgas também têm sido descritos como um método adequado para a remoção de CO2 e outros compostos poluentes a partir de gases de combustão, contribuindo para a manutenção do ecossistema e reduzindo impactos ambientais de processos industriais (Severo et al., 2018; Deprá et al., 2020; Severo et al., 2020).
A biomassa produzida nessas plataformas é apontada como uma matéria-prima sustentável para geração de bioenergia através da produção de biocombustíveis de 3ª geração (ex. biodiesel, bioetanol, biometano e biohidrogênio) (Severo et al., 2019). Acredita-se que futuramente a biomassa microalgal se tornem uma importante fonte de energia com carbono essencialmente neutro (Fernández et al., 2021).
Na agricultura são consideradas excepcionais biofertilizantes, pois a rica fração aminoacídica e alguns fitohormônios microalgais (ex. auxinas e citocininas) promovem o desenvolvimento de raízes e frutos das plantas. Além disso, alguns metabólitos são considerados biopesticidas, uma vez que possuem ação eficaz contra bactérias e fungos (Alvarez et al., 2021).
Convencionalmente, estes microrganismos têm sido usados como um recurso nutricional sustentável na aquicultura, pecuária e avicultura devido ao seu diverso e valioso perfil bioquímico que inclui abundância de proteínas, carboidratos, lipídios, minerais, vitaminas e outros compostos bioativos (Saadaoui et al., 2021). A incorporação na ração animal tem demonstrado melhorias significativas de saúde (sistema digestivo, imunológico, metabolismo lipídico, resistência ao estresse), crescimento e desempenho reprodutivo, reduzindo assim a necessidade de intervenções farmacêuticas (Fernández et al., 2021).
Além do uso em rações, a valiosa composição química e as rápidas taxas de crescimento das microalgas as coloca em destaque para alimentação humana nutritiva e sustentável, sendo assim consideradas como o alimento do futuro (Tzachor et al., 2021). Até a data, a biomassa de Chlorella e Arthrospira platensis (Spirulina) são as únicas liberadas para consumo humano e comercializadas em pó, comprimidos e cápsulas (Lafarga, 2019). De acordo com Kusmayadi et al. (2021), o avanço expressivo na biotecnologia torna as microalgas uma “fábrica celular” potente para a produção de alimentos, impulsionado a bioeconomia no setor de alimentos.
A contribuição alimentar das microalgas vai além da nutrição básica, pois a maioria dos biocompostos produzidos apresentam alguma capacidade de modular positivamente a saúde humana. Entre outros componentes, destacam-se aminoácidos essenciais, peptídeos bioativos, ácidos graxos polinsaturados, esteróis, carotenoides e clorofila (Fernandes et al., 2016; Afify et al., 2018; Nascimento et al., 2019, Nascimento et al., 2020; Nascimento et al., 2021; Fagundes et al., 2021; Fagundes et al., 2021). Estes compostos têm contribuído para prevenção, manutenção e reversão de condições adversas de saúde, incluindo doenças cardiovasculares, obesidade, dislipidemias, degeneração macular e câncer (Borowitzka, 2018; Tang et al., 2020).
Referindo-se a produção de biomateriais microalgais, esta encontra-se em fase exploratória. A título de exemplificação, as microalgas produzem uma ampla gama de ingredientes intermediários para a síntese de plásticos biodegradáveis como o polihidroxibutirato, com propriedades ecológicas (Fernández et al., 2021). Além disso, os avanços biotecnológicos e as técnicas moleculares têm permitido a exploração de biomateriais microalgais de base polissacarídica aplicáveis na medicina regenerativa (Furmaniak et al., 2017).
Apesar dessas potencialidades, ainda existem diversas barreiras a serem superadas. Porém, as infinidades de aplicações oferecidas por essas minúsculas entidades aquáticas fazem com que muitos cientistas em todo o mundo busquem soluções inovadoras. Hoje, um dos principais desafios é conseguir viabilizar os sistemas de produção em escala com custos razoáveis para competitividade comercial. Isso envolve alcançar altas produtividades e melhor recuperação da biomassa produzida (Severo et al., 2019).
Diante do exposto, essa nota de divulgação científica foi redigida com a finalidade de fornecer aos leitores uma visão geral sobre as ilimitadas possibilidades de usos das microalgas, um recurso natural pronto para ser explorado por profissionais das mais diferentes áreas do conhecimento. Nosso propósito é, pois, esclarecer informações não somente aos cientistas, mas também a todos interessados no tema.
Referências
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